quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Base de fruteiro em encanastrado "pearlware"


Esta pequena travessa de faiança inglesa foi seguramente a base de um fruteiro, igual ao que se vê nas fotos abaixo.
Foi mais uma das minhas descobertas das feiras de velharias que, estando em perfeito estado e contando duzentos anos ou mais, comprei por meia dúzia de euros, penso que na Feira da Vandoma, no Porto.

Fruteiro e respetiva base (c. 1800) à venda no Ruby Lane

Este modelo de peças começou por ser fabricado no final do século XVIII em creamware - faiança de cor creme - tanto em Staffordshire, por Josiah Wedgwood e outros, como em Leeds, mais a norte no Yorkshire.
Foi nesta pasta,  melhorada por Wedgwood, que foi fabricado em 1774 o famoso serviço da rã para a Imperatriz Catarina II da Rússia, um serviço de jantar de 952 peças decoradas com paisagens inglesas.
Anos mais tarde, com a pasta de faiança desenvolvida por Wedgwood conhecida por pearlware, estes fruteiros encanastrados continuaram a ser fabricados e apesar da sua fragilidade, alguns resistiram à passagem de dois séculos. No caso da minha peça, só a base cá chegou...
Durante muito tempo pensei tratar-se de uma peça creamware, mas li entretanto que o pearlware se consegue identificar por uns tons azulados que ficam nas peças, geralmente na base, nos locais onde se acumula o vidrado, e esta travessa apresenta essa caraterística.

Os tons azulados do vidrado mais visíveis na junção do rebordo

Não tem qualquer marca, por isso não lhe posso atribuir fabrico, mas fosse quem fosse que a fabricou, conseguiu fazê-lo graças ao génio e espírito inovador de Josiah Wedgwood, a quem se devem as experiências em pastas cerâmicas com que conseguiu melhorar as já existentes, como o creamware, (depois desenvolvido para pearlware) e o black basalt (chamado antes dele, em pasta mais grosseira, Egyptian Black), não esquecendo a sua  principal inovação, o jasperware,  que o tornou mundialmente conhecido e com todo o mérito!

Página do meu livrinho, The story of Wedgwood, mostrando peças do serviço de Catarina a Grande
Voltando à minha travessa, acho-a uma peça bonita e elegante, mas o que mais me fascina nesta como noutras faianças e porcelanas inglesas antigas, é a sua ligação à riquíssima história da produção cerâmica em Inglaterra nos alvores da Revolução Industrial.

12 comentários:

  1. Continuo a não entender bem este fenómeno que é o baixo preço com que se vendem peças inglesas de qualidade (no último final de semana comprei um par de chávenas inglesas, com uma forma e decoração com pelo menos dois séculos de existência, por 1 euro cada!) neste canto à beira mar "prantado" (como se diria em algumas terras do interior)!
    Peças que possuem entre 100 e 200 anos (senão mais), deliciosamente decorados com desenhos feitos por gente que sabia do ofício, fabricados em pastas que, à época, eram inovadoras e fruto de muito labor e pesquisa, destinados a uma classe média com algumas posses, pelo que, dever-se-iam vender a preços algo elevados para o tempo, e hoje, dois séculos volvidos, há coisas do IKEA (sem desprimor para esta casa) que se vendem bem mais caras!
    Ou então, pratos da Fábrica de Sacavém, muitos do século XX, com padrões perfeitamente vulgares de Lineu, esbeiçados, com cabelos ou mesmos rachas, dourados já inexistentes, manchas de gordura a inundar o covo, maltratados pelos muitos pontapés a que foram sujeitos nas feiras, ou pelo abuso diário, vendem-se mais caros que um belíssimo prato ou bule inglês, com 150 anos ou mais! A situação mudará, estou certo, mas entretanto o vento está a nosso favor!
    Mas confesso que este fenómeno me escapa!
    Pelo meu lado, confesso, fico muito feliz, pois posso comprar esta loiça à minha vontade e encher a casa com cacos lindos e de qualidade, os quais, ao longo da vida, me irão acompanhar e deliciar com a sua beleza.
    Após o meu desaparecimento é muito provável que tudo seja vendido ao peso, mas até lá posso deliciar-me!
    Mas não deixo de notar como a estética, ligada possivelmente às necessidades introduzidas pela forma de vida contemporânea, e, estou seguro, até à própria educação de base (não é por acaso que nos concursos televisivos, as perguntas consideradas mais difíceis encontram-se sob o domínio dos conhecimentos de arte), se altera de forma drástica.
    Estamos, por isso, em maré de sorte! Oxalá esta maré se mantenha por muitos e bons anos.
    Um bom final de semana que ... já desponta no horizonte :-)
    Manel

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    1. Ai Manel, agora fiquei cheia de curiosidade em relação a essas chávenas de porcelana inglesa! Têm alguma marca ou número de padrão? Fico em pulgas e esperançosa de que o Luís as publique mais dia menos dia... ;)
      É verdade o que diz sobre a desvalorização destas peças comparativamente às de porcelana ou faiança portuguesa, mas não acho estranho, é uma questão de conhecimento e de afetividade. Sabe como é, a travessa igual à da avó, mesmo que só tenha 50 anos e seja vulgaríssima é logo valorizada por muita gente e terá a venda mais facilitada.
      Mas há uns anos caiu-se num exagero neste mundo das velharias que qualquer caco em péssimo estado com 40 ou 50 anos atingia preços totalmente disparatados. E eu ainda fui levada na onda algumas vezes...
      Mas realmente estas peças inglesas, cheias de qualidade e de história, enchem-me as medidas e também espero continuar a encontrá-las por preços bem acessíveis.
      Obrigada e um bom fim de semana também para si.

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    2. Não, não possuem qualquer padrão ou marca Maria Andrade, nem pratinhos têm. E não me parecem ser em porcelana, mas sim num destes "ware" tipícos da altura, em que se pretendia recriar a primeira.
      Mas a pintura é quase toda manual, e o formato do tipo "London shaped cup", de que Spode, entre outros, fizeram no início do século XIX.
      No entanto a delicadeza da decoração fizeram-me ficar tão encantado que, claro, não as deixei lá ficar, apesar das muitas traquitanas que inundam os armários e louceiros (tenho de ter cuidado com a quantidade, pois o espaço não é elástico e o que é demais ... é mesmo demais!).
      Mais uma vez, espero que esteja a gozar estes dias de sol fantástico (ser-me-ia muito angustiante viver num país sem sol, confesso ... já me sentia deprimidíssimo)
      Manel

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    3. Também para mim, chávenas dessas nunca estão a mais nos armários... enquanto houver espaço...
      Agora já sou bem mais seletiva nas compras, mas continuo a não resistir à antiga faiança e porcelana inglesas.
      O sol é um bálsamo maravilhoso, adoro dias de inverno cheios de luminosidade e felizmente esta semana foi pródiga em dias desses, também por aqui.
      Um abraço

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  2. Olá Maria
    A sua base de fruteiro é muito elegante e singela, principalmente a forma elíptica e o rebordo vazado.Recordou-me alguma coisa. Fui ver o Catálogo da Fábrica de Louça de Miragaia e, na página 205 tem um tabuleiro com uma aba vazada, que lembra a sua base de fruteiro.Será que havia catálogos com desenhos de peças que poderiam ser do conhecimentos das fábricas? Era uma hipótese de estudo interessante.
    If

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    1. Olá If,
      Já fui rever o catálogo de Miragaia e sei a que travessa se refere. No entanto, acho a minha travessa mais parecida com alguns pratos que lá estão também de aba vazada, sobretudo um da página 206 com encanastrado ao centro, um pormenor em que nunca tinha reparado.
      Os fabricantes ingleses usavam os famosos "Pattern Books", livros onde registavam todos os desenhos das peças que iam fabricando e as respetivas decorações, mas neste caso acredito que a influência pudesse vir antes da importação de loiça inglesa, particularmente para a comunidade britânica do Porto, que podia ser imitada pelos fabricantes locais, como aconteceu com as paisagens estampilhadas a azul, sobretudo o motivo País de Miragaia.
      Obrigada por ter trazido aqui um interessante ponto para reflexão e discussão.Tenha um bom final de semana.

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  3. Dear Maria,
    I think, this pieces are very special and most people will not recognize their true worth. The basket pattern is so pretty. I love creamware and pearlware. Its really seldom to find here. Thank you for the pretty photos and the detailed informations.
    Best greetings, Johanna

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    1. Hello Johanna,
      Most of my early English porcelain and pottery was bought here in Portugal,since it was imported in fairly large amounts in the past centuries.
      I'm glad you appreciated my pearlware undertray, a good example of the basketweave artistry.
      Have a great weekend, dear Johanna.
      Hugs

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  4. Hi Maria..I love coming to your blog for there are always such unique pieces and wonderful information..and beautiful treasures!! Exquisite!!
    Victoria

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    1. And I love having you here, visiting and commenting, dear Victoria. It's nice to know that you appreciate my little treasures...
      Hugs

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  5. A peça é muito bonita e a fotografia está muito feliz. Explicou muito bem a diferença entre o pearlware e o creamware, coisa que até agora nunca tinha percebido. Enfim, sabia que ambas eram formas de uma faiança de alta qualidade desenvolvidas pelos ingleses. Agora já sei que pearlware se consegue identificar por uns tons azulados que ficam nas peças, geralmente na base, nos locais onde se acumula o vidrado. Ou melhor, quando precisar desta informação, venho aqui ao seu blog refrescar a memória.

    Julgo que algumas fábricas portuguesas imitaram estas fruteiras que evocavam as cestas de vime. Em casa da família da minha mãe existe umas dessas faianças a imitar uma verga, mas não está marcada, embora me pareça Caldas.

    Tenho uma paixão pelo serviço da rã também conhecido pelo nome francês la Grenouille, não fosse a corte russa apaixonadamente francofila. Vi umas peças na exposição os Tesouros do Ermitage, aqui em Lisboa, e fiquei louco. Raras são as peças deste serviço que são iguais. Cada uma delas representa uma paisagem diferente da Inglaterra.

    Bjos

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    1. Obrigada, Luís, ainda bem que gostou.
      Estas pastas de faiança fina procuravam aproximar-se o mais possível da porcelana e por isso atingiram uma qualidade que às vezes dificulta a distinção.
      Neste tipo de peças o efeito de encanastrado era conseguido por molde, o verso ficava liso, ao contrário dessas de verguinha feitas por cá, em que a técnica era mesmo a da cestaria, a partir de verguinha cerâmica, o que exige muita mestria. Tanto quanto sei, nas Caldas esse processo é usado desde o século XIX.
      Quanto ao serviço da rã Wedgwood, também vi peças dele nessa exposição no Palácio da Ajuda e ao vivo e a cores (não muitas é certo) é bem mais espetacular que nestas fotos a preto e branco. Mas estas têm a particularidade de mostrarem dois edifícios construídos na época de J. Wedgwood, Etruria e Barlaston, com a sua paisagem inglesa circundante.
      Bjos

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