segunda-feira, 29 de outubro de 2012

A leiteira - The milkmaid


Não, não é desta leiteira que vou falar, embora a pintura de Johannes Vermeer assim intitulada, que habita o Rijksmuseum de Amsterdão, desse pano para mangas para fazer um post (já repararam na barra de azulejos Delft junto ao chão? figura avulsa século XVII?). Apesar de muito conhecida,  merece bem ser divulgada e abordada em todos os seus pormenores, artísticos e outros, mas isso obviamente  deixo aos especialistas...



Trata-se aqui de participar no chá de terça-feira de Tea Cup Tuesday, Tea Time Tuesday e Tuesday Cuppa Tea com as minhas peças de faiança inglesa azul e branca com um motivo que foi bastante popular no século XIX:  the milkmaid, ou seja, a leiteira. Mostra uma serviçal realmente em funções de leiteira, a ordenhar uma vaca no campo, observada por duas tranquilas ovelhas, uma branca e uma preta, enquanto a rapariga de Vermeer talvez seja antes uma criada de cozinha numa das suas tarefas diárias, a preparar algum alimento com pão e com leite.


Fui buscar as peças a um armário aberto onde exponho faiança inglesa azul e branca numa salita a que os americanos chamariam den. aqui mostrei algumas das faianças que se vêem na foto, mas outras ainda não foram tema de qualquer post.


Estas  três taças de chá e respetivos pires não são do mesmo conjunto, mas sendo todas em faiança transferware azul e branca, ficam sempre bem juntas e para mim têm o interesse adicional de poder admirar motivos diferentes.
Efetivamente, do motivo milkmaid só tenho uma taça e dois pires. Depois há mais duas taças de um motivo também de cena rural com lavradores, casa senhorial e vacas, que ainda não consegui identificar, e um pires com motivo oriental.


À exceção desse motivo oriental, com marca Davenport, nenhuma peça está marcada, mas esta milkmaid, é sem dúvida a da fábrica Spode, um padrão introduzido na produção por volta de 1815.
São de uma faiança muito fina, quase porcelana, pelo que julgo tratar-se do tipo de pasta denominado pearlware.


Outros fabricantes usaram este tema nas suas faianças transferware - Rathbone, por exemplo, e até a Villeroy & Boch do séc. XIX - mas há diferenças, não só em pormenores da cena central, mas também na composição floral da cercadura e na guarnição da mesma.
Quanto à outra cena rural presente em duas taças, não havendo pires é difícil mostrá-la na totalidade, mas aqui ficam fotos de dois lados da mesma taça.





Finalmente, porque este é um chá de Outono, quero acrescentar um fruto que tenho aqui em abundância todos os anos nesta altura, bem saboroso comido à colher como sobremesa ou, porque não, a acompanhar o chá. São os nossos belos diospiros  que penso não serem muito familiares às minha parceiras destes eventos que habitam paragens longínquas mais a norte.


Não só o fruto tem esta linda cor de fogo mas também as árvores, os diospireiros, ficam com as folhas em tons avermelhados e eu adoro ver essa coloração na folhagem de outono. Só não as fotografei porque começou a chover hoje à tarde, já não fui a tempo.
É o Outono a avançar, com o mês de outubro a chegar ao fim...

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Bandeira e Fervença de novo

Nem sempre este blogue tem vivido da "prata da casa" como temática ou como ilustração de textos, mesmo quando se trata de objetos e não de edifícios ou monumentos.
Com efeito, a disponibilização de fotos por parte de familiares e amigos, alguns já feitos através do blogue, tem sido um recurso inestimável que em muito tem contribuído para enriquecer os conteúdos. Alguns desses posts estão até entre os mais populares.
É de novo o caso do tema de hoje, "alimentado" por três bons exemplares de faiança do Norte, que tenho a agradecer à If, grande entusiasta e estudiosa das nossas faianças.


 Os motivos centrais destes dois primeiros exemplares, embarcações à vela, parecem-me muito ligados às vivências dos trabalhadores cerâmicos das fábricas gaienses, ali à beira do rio e tão perto do mar. Também não nos podemos esquecer que o século XIX foi uma época de intensa emigração, sobretudo para o Brasil, a partir do populoso Norte do país, e era este o meio de transporte utilizado pelos viajantes. Por isso, teria a sua  popularidade como motivo decorativo, embora eu não conheça outros exemplares neste género de faiança.


A paleta de cores é muito idêntica, e também os filetes à volta do covo, mas pelo tipo de cercadura podemos arriscar atribuir o primeiro à Fábrica da Bandeira e o segundo à da Fervença, ambas situadas em Vila Nova de Gaia e ambas fundadas na primeira metade do século XIX.
O terceiro exemplar destaca-se pela cercadura nada usual, com grinaldas de flores miúdas a delimitar zonas de quadriculado amarelo.


Já o motivo central de casario é comum a outros exemplares atribuídos à Fábrica da Bandeira, como este que eu já tinha mostrado num primeiro post e repetido num outro meses depois.
 Há diferenças de pormenor mas o conjunto de edifícios é basicamente o mesmo e há grande semelhança na forma de representar a vegetação.



Também curioso é verificar que o conjunto de quatro cisnes que aparecem no primeiro prato com o motivo do barco à vela é exatamente o mesmo que se pode observar no  prato seguinte, do Museu Nacional de Arte Antiga, atribuído à Fábrica da Bandeira. Imagino que cada fábrica disporia de variados motivos em stencil que depois eram agrupados ou sobrepostos formando diferentes composições.

Penso que esta possibilidade que temos tido de comparar, quer os motivos centrais, quer os filetes e cercaduras, em vários exemplares, muitos já com atribuição de fabrico, nos vai permitindo ganhar mais conhecimento e confiança relativamente a estas faianças não marcadas.
Obrigada, If, mais uma vez...

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Ó meu São Sebastiãozinho!!!


Ando a rever a Gabriela... a cravo e canela, claro, só que em versão novela da noite! Nada de Dancing Days, Avenida Brasil ou outra que ainda há ou houve depois dessa, mas de que não sei o nome, apesar de  a SIC  tentar garantir as audiências para a sua sessão  contínua de telenovelas, metendo umas nas outras, prolongando ou encurtando os tempos a seu belo prazer, sem qualquer respeito pelo espectador.
Por causa destes malabarismos, entre outras coisas, já há anos que não seguia nenhuma, mas a Gabriela conquistou-me de novo.
E na Gabriela, para além da titular e de outras figuras inesquecíveis saídas da pena de Jorge Amado (1912 - 2001) cujo centenário se celebra este ano, há uma personagem por quem nutro especial simpatia: a D. Sinhazinha.
Para já acho que chamar a alguém D. Sinhazinha, dois títulos em que um é nome próprio, não lembraria a ninguém, mas lembra à criatividade linguística dos nossos amigos e parceiros na lusofonia do lado de lá do Atlântico.
Pois é, simpatizo com a D. Sinhazinha e acho que estando casada com aquele brutamontes que às vezes lhe diz: "Quero lhe usar", só podia encontrar refúgio num santinho de aspeto jovem e bem parecido como o São Sebastião, a quem nem as setas todas a trespassá-lo alteram a beleza e compostura!
Acabou por encontrar um S. Sebastião de carne e osso e a história lá vai tendo os seus momentos tórridos, quase todas as noites, connosco a assistir...


Por isso, lembrei-me de partilhar aqui este registo de S. Sebastião, em homenagem à D. Sinhazinha agora que já se anuncia a tragédia - o seu querido S. Sebastião de barro já foi todo escaqueirado pelo odioso marido (fabuloso desempenho de José Wilker... mas que saudades dele jovem no papel de Dr Mundinho!) e as beatas de Ilhéus já se puseram em campo, com as antenas no ar. Vai acabar por ter em ficção o destino de muitas mulheres na vida real... ainda nos dias de hoje!!!
Mas voltando à imagem, este é o mesmo tipo de representação da estatueta de barro da novela, em que o santo não revela qualquer sinal de sofrimento e se apresenta como um verdadeiro Adónis, oferecendo-se assim à devoção de mulheres carentes como a D. Sinhazinha. A gravura não deve ser muito antiga, mas é bela e eu acho engraçado que a senhora que fez o trabalho manual com tecido, fitas e cordões - arranquei-lhe alguns extras pois era mais garrido e kitsch do que agora se apresenta - resolveu desenhar uma aura prateada à volta da cabeça. Realmente, por muito desajustado que seja o acrescento, sem ele a figura dificilmente lhe lembraria  um santo!



Já esta segunda gravura, ao contrário do que é habitual, apresenta um S. Sebastião Mártir em sofrimento, aparentemente já moribundo. No canto inferior esquerdo podem ver-se os instrumentos do martírio e em pano de fundo uma cidade. Apesar de muito mais antiga do que a anterior - a mim parece-me trabalho do século XVIII - é uma representação bem mais realista de um  homem martirizado pelas setas dos soldados de Diocleciano, o Imperador romano que  o condenou à morte quando descobriu que ele, um soldado romano, era cristão.


Comprei-a há tempos na Feira da Ladra, atraída pela gravura, mas não deixo de achar interessante o tipo de moldura, um trabalho recente nada comum, com marca de um atelier (atelier P.T.).
Andei a pesquisar imagens do santo na internet e encontrei variadíssimas representações, mas sempre com a mesma iconografia de um homem semi-nu atado a uma árvore com o corpo trespassado por setas e quase sempre um corpo belo e jovem sem sinais de dor.
A única exceção que encontrei foi esta gravura magnífica da Biblioteca Nacional, datada de 1650-1750 sem certeza, em que vemos S. Sebastião de cabeça descaída e olhos fechados como aparece na minha gravura, mas com uma iconografia que inclui um anjinho a aliviá-lo do sofrimento retirando-lhe as setas do corpo. Parece um deus grego caído em desgraça!
Por que será que o anjinho também me faz lembrar Cupido a atingir o belo jovem com uma seta?


Já se adivinha aqui o caminho que há-de tomar a devoção a S. Sebastião...



sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Voltando a Viana...





Muitas vezes me tenho aqui queixado - eu e outros amigos e amigas que se interessam por faiança portuguesa - das dificuldades que sentimos para identificar a nossa faiança não marcada. É por isso uma verdadeira bênção encontrar uma peça marcada, como é o caso desta jarrinha de altar.
A marca é o inconfundível V de Viana - à época Vianna, como também aparece escrito em algumas peças - aqui pintado a vinoso de manganés.



Trata-se da fábrica instalada em Darque no final do século XVIII (1774) e que aí laborou até 1855.
Estudiosos destes assuntos e o próprio Museu Municipal de Viana do Castelo consideram três fases na produção desta antiga manufatura, e eu penso que a minha jarrinha de altar (com 15 cm de altura) se deve integrar  na segunda fase, iniciada por volta de 1795.
A verdade é que a faixa decorativa à volta da boca ainda lembra vagamente a tarja de Rouen, muito típica do primeiro período em decorações a azul, mas a paleta cromática num motivo decorativo alegre e popular pintado à mão, só poderá situá-la no segundo.
Também do segundo período, até cerca de 1820, são as decorações sobre o chamado azul safra, com motivos florais a branco ou com delicados raminhos coloridos (o LuisY do Velharias tem um post muito elucidativo sobre este assunto).



Seria o caso destes dois pires que me encandearam os olhos há uns meses em Ovar, só que aqui é a marca que vem baralhar a questão.
Pois é, não há fome que não dê em fartura e neste caso há marca a mais para meu gosto ;). Preferia que continuassemos com o simples V ou com o nome Vianna, mas nesta marca até já aparece a palavra Portugal !


Conclusão: deve tratar-se de cópias do século XX efetuadas por fábrica vianense que ainda não consegui identificar. Inclino-me para a empresa Jerónimo Pereira Campos, Filhos, com origem em Aveiro, que se estabeleceu em Alvarães, nos anos 30, por compra da Cerâmica de Viana Lda, e anexou nos anos 40 a Fábrica de Louça de Viana, Lda., da Meadela.
Bem, devo confessar que o preço que paguei pelos pires está perfeitamente de acordo com fabrico do séc. XX e não do início do séc. XIX, mas ao comprar há sempre aquela esperançazita, não é?



segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A cor rosa - The colour pink


Outubro é o mês internacional da prevenção do cancro da mama e, por essa razão, a Sandi, do blogue canadiano Rose Chintz Cottage que organiza o Tea Time Tuesday, propôs que o chá desta semana tivesse como tema a cor rosa, lembrando o laço cor de rosa, símbolo da luta contra o cancro da mama.


Para participar neste evento e também em Tea Cup Tuesday e em Tuesday Cuppa Tea escolhi peças que fizeram parte de um serviço de chá de porcelana da Vista Alegre - chávena e pires, prato de bolo e manteigueira - em que o rosa é a cor dominante, com uns apontamentos cinza muito suaves.


Tem linhas de influência Arte Deco no seu modelo gomado e no formato da chávena e respetiva asa, o que não surpreende já que o fabrico datará de finais dos anos quarenta.



 Com efeito, em todas estas peças, encontra-se a marca usada entre 1924 e 1947, à exceção da chávena que apresenta o VA com as letras unidas, usado de 1947 a 1968.




Agora convido-vos para o chá na varanda, já que o outono por aqui ainda está ameno e soalheiro.
A acompanhar o chá, simples torradas com manteiga, pouca manteiga, já que estamos a falar de saúde, ou seja, da prevenção de uma doença terrível que afeta sobretudo mulheres, mas através delas as suas famílias e amigos.









quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Os primeiros cogumelos deste outono

Chegados ao Outono, é inevitável surgir aqui mais um post sobre cogumelos, a exceção anual às temáticas habituais, já que  tem sido um por ano desde que iniciei o blogue.
A chuva que caiu por todo o país nos últimos dias de Setembro, aqui com alguma intensidade, prometia cogumelos, promessa que não me deixou defraudada uma semana depois.


 Os primeiros a aparecer são sempre os agaricus campestris, pé e chapéu brancos e lâminas rosadas, muito semelhantes aos champignons de Paris (agaricus bisporus). Surgem na relva ou em terreno não cultivado perto de casa - em parte consequência de eu atirar sempre para a terra a água de os lavar. Depois os esporos... estão a ver...


 Mas curiosamente, a meados de Setembro tivemos aqui uma novidade. No meio da madeira de um pinheiro que tinha secado por ação do nemátodo, apareceu um tronco com muitos botões de cogumelos e alguns já formados, que identifiquei como pleurotos (pleurotus ostreatus). Claro que esse tronco já não foi rachado para lenha e ficou cuidadosamente guardado à sombra para mais produção.


 Há dias, graças aos chuviscos e à humidade da noite, voltou a surgir no tronco uma bela forma de pleuroto, branco de neve e de textura aparentemente muito delicada, mas bastante consistente.


Aqui vê-se o pé curto e excêntrico como é próprio dos pleurotos, agarrado ao tronco morto de pinheiro, como um candeeiro de parede, cheio de estilo...


Na mesma zona onde foram rachados os troncos, um pequeno bosque que temos perto de casa, começaram a aparecer, como em anos anteriores, estes outros agáricos, já não da espécie campestris mas silvícola. São maiores, quer o pé quer o chapéu, e embora sejam comestíveis, o sabor tem um travo desagradável, pelo menos cá em casa não apreciamos. Quem fica a ganhar são umas ovelhinhas gulosas que por aqui andam e lhes chamam um figo!



Na mesma altura, mais cedo do que tem sido hábito, também começaram a despontar uns botões em tom de castanho camurça que formam cogumelos não muito grandes mas de um família que é muito apreciada: os boletos.
Vêem-se bem na primeira fotografia, amarelos gema de ovo no pé e debaixo do chapéu e, ao contrário da maioria dos cogumelos, sem lâminas mas sim com poros, formando uma espécie de esponja.



Estes vieram cá parar de forma muito científica: inoculados num pequeno quercus suber, agora já grandito, um dos sobreirinhos oferecidos a  todos os participantes num congresso da Associação Micológica "A Pantorra", sediada em Mogadouro. O chapéu é coberto de uma película, viscosa com a humidade e facilmente separável; depois de retirada, a cor da carne é toda amarela.
Agora só me falta mostrar aqui os que já apanhei em maior quantidade, mas como não aparecem à volta de casa, ainda não os fotografei, tenho-me esquecido de levar a máquina. Amanhã vou tratar disso...
São cogumelos de choupo (agrocybe aegirita) e como o nome indica, formam tufos nos troncos velhos dos choupos, por isso é só apanhar e encher o cesto... Têm uma tonalidade entre o pardo e o branco, pé fibroso e comprido, muitas vezes a irradiarem vários exemplares do mesmo ponto do micélio.


Eles aqui estão!
Na primeira foto já velhos, na base de um enorme choupo; na que se segue, na fase ideal para a apanha.



Durante os próximos dois meses, esta e outras espécies vão aparecendo, para regalo de quem aprecia - e conhece bem - estes saborosos macrofungos.


domingo, 7 de outubro de 2012

O Menino Jesus em dois registos

Já andava há dias a pensar publicar uns registos, tema já prometido ao LuisY do Velharias por mais de uma vez, mas ao ver hoje a beleza de verónica com que nos presenteou, não pude adiar mais. É para isso que servem estes  blogues, para troca de acepipes visuais com os amigos que aqui vamos fazendo...


Este registo saiu das mãos pias e prendadas de tias freiras da família que viveram no século XIX. É um bom exemplo de como se utilizavam variados materiais disponíveis - papel de prata, tecido, algodão, cera, vidro, galões, fita e cordão de seda - para compor  estes quadros.
Este e outros registos andaram por baús de sótão à disposição das mãos infantis de quatro irmãs (já todas falecidas) atraídas pelas imagens e pelos brilhos das pratas. Os exemplares que sobreviveram tiveram que ser recuperados, embora de forma caseira, e este veio ter cá a casa.



Com tanto amor e carinho que lhe dedicaram, o Menino Jesus de cera acabou com uma perna partida. :(
Não sei se lhe teria valido a proteção da sua mãe porque, no registo que apresento a seguir, filho e mãe não foram melhor tratados.



Encontrei-o há alguns meses, em gravura aguarelada, com esta representação de Nossa Senhora com o Menino Jesus pela mão, muito apropriadamente intitulada N. Sra. de Jesus.
A moldura recortada em metal será de ferro ou de grossa folha de flandres, com chapa do mesmo metal a fechá-la no verso.




Resultado: ao oxidar por ter estado em contacto com água ou humidade durante muito tempo, a ferrugem manchou irremediavelmente o papel e também o vidro. Achei que podia ter salvação, ainda levei a gravura para o atelier de restauro da Rua da Alegria em Coimbra para ser lavada, mas as manchas não desapareceram, só aclararam um pouco, e eu fiquei desolada.
É que a legenda faz desta imagem, aos meus olhos, uma peça interessante, com história para contar...



Pode ali ler-se o seguinte texto, que reproduzo sem abreviaturas: "Nossa Senhora de Jesus que se venera no seu convento de Lisboa pela sua Irmandade e Escravos do Santíssimo Sacramento".
Claro que comecei por querer saber onde se situava este convento em Lisboa e logo numa rápida pesquisa na internet fui ter ao site www.monumentos.pt, um instrumento do SIPA, que fornece informação muito completa e especializada sobre património arquitetónico. 
Resumidamente, trata-se do Convento de Nossa Senhora de Jesus da Ordem Terceira de S. Francisco, situado em pleno coração do Bairro Alto, de que se mantém a igreja no Largo de Jesus, convertida em Igreja Paroquial das Mercês, enquanto o convento foi ocupado pela Academia das Ciências em 1838, após a extinção das ordens religiosas.

Fachada lateral do convento e entrada da igreja (foto cortesia do SIPA)
A instalação naquele local desta congregação de franciscanos recua ao final do século XVI. O convento foi sendo construído ao longo do XVII, mas só terminado em 1707. Veio a sofrer grandes danos em 1755 com o terramoto, mas logo começou a reconstrução e a edificação de uma magnífica biblioteca que ainda hoje se pode admirar na Academia das Ciências.

O teto da biblioteca (foto cortesia do SIPA)
Atentando melhor na minha gravura, a presença de urnas e a moldura em fita ou filete azul, onde se entrelaça uma faixa de tecido ou panejamento a terminar em borlas, fazem-me pensar num gosto neoclássico, o que dataria esta gravura de finais do século XVIII ou inícios do XIX, portanto da fase do convento após o terramoto.
Quanto à Irmandade de Escravos do Santíssimo Sacramento, intrigou-me o nome à partida, mas é apenas mais uma das irmandades religiosas que existiam em igrejas de Lisboa, como a de Santa Ana ou a de Santa Engrácia.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Recordação da Curia - A souvenir from Curia Spa


Jardim em frente ao Casino no Parque das Termas da Curia
Penso que não haverá ninguém neste país que não conheça as termas da Curia, pelo menos de nome. Eu já aqui lhe dediquei um primeiro post e outros se seguiram, mas nunca em dia de chá à terça-feira, por isso quero agora também dar a conhecer este belo local da Bairrada às visitantes estrangeiras que participam no Tea Cup Tuesday, Tea Time Tuesday e Tuesday Cuppa Tea.




E vou mais uma vez partilhar neste chá virtual  uma chávena antiga da Vista Alegre, esta com uma inscrição muito especial: Recordação da Curia, tanto no pires como na chávena.


A escolha foi motivada pela época do ano, o Outono, altura em que era hábito encerrar a atividade termal - hoje penso que alguns serviços se mantêm todo o ano. De regresso a casa, muitos utentes das termas levavam consigo objetos com esta inscrição para familiares ou amigos, neste caso uma chávena e um pires de porcelana Vista Alegre. Sempre que uma praia ou termas contavam com razoável afluência, lá surgiam os pratinhos, canecas, copos, geralmente com vistas do local, a servir de recordação de uma estada de lazer.



Estes exemplares das termas da Curia mostram como havia escolha para vários gostos e vários bolsos - as canecas em faiança sem marca e o pratinho em porcelana de Candal.
Voltando à chávena, a decoração estampada apresenta um singelo ramo de urzes em tons de lilás e amarelo muito delicados. É uma planta campestre espontânea que atapeta as encostas mais áridas e chega a florescer durante todo o ano, por isso também no Outono e no Inverno.


Quanto ao modelo e ao tipo de asa, foi  usado no período de viragem do século XIX para o XX, com outras decorações como a que se vê em baixo e eu já aqui mostrei. Esta relativa à Curia  será  talvez da segunda década do século passado, se pensarmos na data de nascimento das termas e no seu desenvolvimento.


A marca é a da chamada "cegonha" entre círculos, que na lista de marcas da Vista Alegre surge como a nº 26 e corresponde a um período alargado entre 1881 e 1921.


E agora deixo-vos com mais uma foto do Parque da Curia em tempo de Outono...






...e um postal do Lago da Curia nos anos 60 ou 70.